sexta-feira, 17 de junho de 2016

LOUCURAS DE UMA MENTE CONFUSA




Rua augusta. Não há augusta de dia. E o dia se põe assim que piso na rua. A rua mais pesada, bela, suja, poética e imoral desta cidade torpe. Isso ao meu ver. Porém o que é que eu sei?


Ando há tanto por essas calçadas que meus pés já decoraram cada desnível, meus olhos cada lambe e pichação coladas nas paredes, meu nariz reconhece as esquinas pelo cheiro de urina e meu peito bate quando aqui estou.


Hoje, como tantas vezes antes, andei sem direção e na Augusta eu parei.


Vi as mesmas lojas que sempre entro, os mesmos estranhos restaurantes e utensílios inúteis. As mesmas pessoas com barbas, tatuagens, rostos, roupas e coisas que as fazem ser únicas... um monte de gente única.


Depois de sair de um loja de quadrinhos undergrounds, me sentei em um banco de madeira de uma galeria. Fiquei bem perto da saída do lugar, enquanto aguardava meu amigo vir me encontrar.


Vi um burburinho a iniciar. Uma senhora clássuda gritando "COVARDE, COVARDE", enquanto apontava para o segurança do local. O homem recuou acuado, porém com o nariz erguido de quem tem certeza que fez merda mas que não pretende se desculpar. Sumiu ao fundo da galeria, com seu terno preto barato e sua camisa branca.


Me levantei para enxergar melhor do que se tratava, e vi, estirado no chão, um mendigo. Me aproximei, e ouvi as pessoas em volta dele bravejando e explicando indignadas como o segurança havia empurrado o pobre homem, sem motivo aparente, que simplesmente mendigava água na porta da primeira loja da galeria a um dos vendedores. Provavelmente já estava fraco pela sede e pela fome, talvez bêbado ou drogado. O que se dizia é que o segurança o empurrou, e ele cambaleou em direção ao meio fio, tropeçando e caindo na faixa do ônibus. Um dos homens que viu tudo acontecer, narrou sua heroica atitude de recolher o mendigo a calçada.


Bem, o que eu vi, enquanto ouvia o ocorrido da boca dos espectadores alvoroçados, foi um homem velho, caído na calçada, com as calças arriadas na altura dos joelhos, com os pelos do cu arrepiados pelo frio que fazia, mas que logo se encharcaram de mijo quente, correndo por suas pernas, o que o fez balbuciar palavras em tom baixo demais para ouvi-las. Ele mantinha os olhos fixos em um ponto qualquer, como se visse que a vida não fazia sentido algum e sua existência não passará de um acidente cósmico.


Logo o projeto de multidão se dissipou. Cada um foi deixando suas últimas palavras de acalanto, e não mais que isso, ao velho que ali jogado permanecia. Um ainda o colocou sentado, com as costas amparadas pela parede fria. Voltaram aos seus afazeres, seus caminhos, suas rotinas. A policia não chegou. Tão pouco a ambulância. Menos ainda se viu esclarecido o caso com o segurança ou com o mendigo. O que ficou foi apenas um homem caído no canto de mais uma rua de São Paulo. Mijado. Arrastado para fora do caminho por aqueles que queriam ajudar mas não podiam esperar.