terça-feira, 1 de novembro de 2016

PAIXÕES INSTANTANEAS




Acordei hoje, mas ainda estava dormindo quando me olhei no espelho. Como de costume sai atrasado para o serviço. No ônibus, sentei ao lado de uma garota com a fisionomia familiar. Tive vontade de puxar assunto e descobrir de onde conhecia seu rosto, mas me contive. Nunca fui bom em começar conversar com estranhos, que dirá dar continuidade ao diálogo. E não tem coisa mais constrangedora que o silêncio entre recém conhecidos.

Flertar é uma arte que não domino muito, pelo menos não em contextos desconhecidos. Quase todas as garotas que tive algo eram minhas amigas, aí as coisas iam desenrolando até culminar em algo sexual. Não que eu seja retraído ou introspectivo, só não sou sociável. Sou um anti social histriônico. Me comunico bem até, isso se desconsiderarmos a falta de tato com os sentimentos alheios e os excessos de escatologias. Tirando isso, sou uma boa companhia. As vezes.

Sorri ao notar que ela acabara de abrir um livro de Thomas More - A Utopia. E me agradou ainda mais saber que ela tinha o mesmo costume que eu de ouvir música enquanto lê.

Me senti um plagiador ao abrir meu livro e colocar meus fones no ouvido.

Foram muitas as vezes em que tive paixões instantâneas, das quais me esqueço no dia seguinte. Mas eu as esqueço porque não pude vivê-las. Não pude por falta de tempo, coragem, disposição. Talvez por preguiça. Apaixonar-se é legal, mas cansa e requer tempo para cultivar. As vezes eu acho que as pessoas buscam se apaixonar pra sentir algo. Sentir que estão vivas. Estamos o tempo todo tentando preencher o tempo com afazeres, coisas materiais, conversas banais, assistindo um filme, ouvindo uma música, trepando, limpando a casa, bebendo, fumando. O tempo todo estamos tentando preencher esse vazio existencial. Essa sensação de que viver é esperar a morte. Vejo da seguinte maneira, a morte é minha esposa fazendo compras em uma loja de departamento. Ela vai demorar, talvez. Bem provável que sim. Posso esperar sentado em uma daquelas poltronas pretas, ao lado dos maridos entediados e com cara de sono, ou posso me levantar e dar uma volta no shopping, ver umas vitrines, pagar contas no banco, tomar uma casquinha no Mac. Matar o tempo pra ele não me matar. É isso. Talvez o sentido da vida seja morrer, afinal. Ou, para os otimistas, seja viver. Meu discurso é o do cara que está esperando a esposa sentado na poltrona preta com o celular na mão fuçando o Facebook, mas minha vida está mais perto do cara que tá dando uma volta tomando a casquinha e vendo as mulheres peitudas que passam. Os dois tipos vão terminar no mesmo lugar.